Por Karina Toledo
Agência FAPESP – Os motivos que levam os jovens a consumir
drogas como o ecstasy (metilenodioximetanfetamina) são bem conhecidos e
entre eles se destacam a curiosidade, a busca por sensações de prazer e a
influência de pessoas próximas
.
Mas para entender as razões pelas quais muitos optam por não usar ou
por interromper o consumo da droga, pesquisadores do Departamento de
Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) realizaram
um estudo qualitativo com frequentadores de festas rave – apontadas em levantamentos anteriores como locais de fácil acesso a esse tipo de substância.
“Nosso objetivo era entender quais são os freios que levam essas
pessoas a optar por não usar a droga mesmo diante de uma oportunidade.
Essas informações oferecem subsídios para programas de prevenção”,
contou Ana Regina Noto, coordenadora da pesquisa apoiada pela FAPESP.
Os resultados da investigação, feita com 53 jovens com média de idade de 26 anos, foram publicados em artigo na revista BMC Public Health, pertencente ao grupo BioMed Central.
O trabalho foi realizado durante o mestrado de Maria Angélica de Castro Comis, que contou com Bolsa da FAPESP.
Para selecionar os voluntários, os pesquisadores recorreram ao método
conhecido como “bola de neve”, no qual um entrevistado indica outro
possível participante com perfil adequado. Era critério de inclusão ter
tido pelo menos uma oportunidade concreta de consumir a droga ou estar
há um ano sem usar.
A amostra foi dividida em três grupos. O de não usuários, composto
por 23 entrevistados, compreendia aqueles que nunca haviam experimentado
ecstasy. O grupo de usuários leves ou experimentais era composto por 12
jovens que usaram menos de cinco vezes na vida. Já os 18 voluntários
que disseram ter usado cinco ou mais vezes, mas haviam parado há mais de
um ano, foram considerados usuários moderados.
“Os grupos de não usuários e de usuários experimentais alegaram
motivações parecidas, que incluem o medo dos efeitos adversos e valores
pessoais, sejam eles familiares ou religiosos, incompatíveis com o
consumo dessa droga”, contou Noto.
Já entre os usuários moderados o principal motivo para a interrupção
do uso foi a experiência de complicações físicas, psicológicas ou
sociais. Os problemas mais citados foram dores musculares, ranger de
dentes, mal estar no dia seguinte, perda de memória e dificuldade de
concentração.
Segundo Noto, a droga atua como alucinógeno e estimulante e afeta
diferentes sistemas de neurotransmissão no cérebro, como o
serotonérgico, o dopaminérgico e o noradrenérgico. A gama de efeitos,
portanto, é ampla. Entre os positivos há a melhora do humor e da
percepção sensorial, euforia e inibição do cansaço. Entre os negativos
estão arritmias cardíacas, hipertermia e aumento da pressão arterial –
reações potencialmente fatais em pessoas suscetíveis a complicações
cardiovasculares.
“Como os usuários costumam passar noites muito agitadas após consumir
a droga, é comum sentirem cansaço extremo nos dias seguintes,
dificuldade de concentração e sensação de tristeza similar a de quadros
depressivos. Em muitos casos, isso atrapalha o desempenho nos estudos ou
no trabalho, sendo um dos motivos para que se interrompa o uso”, disse
Noto.
Comis, porém, ressaltou que a maioria dos usuários moderados afirmou
que voltaria a usar a droga caso tivesse oportunidade. “Muitos pararam
com o uso crônico pelo afastamento do contexto de uso, ou seja, houve
mudanças no ciclo de vida, como término da faculdade ou casamento, que
fez com que parassem de frequentar as festas”, disse.
Esse dado, acrescentou, mostra a importância de se estruturar
programas também voltados à redução de riscos e danos relacionados ao
uso da droga. “Conhecendo o discurso dos usuários, podemos pensar numa
proposta de intervenção mais interessante, seja para a prevenção ou para
a redução de danos. Se a gente chega com algo pronto fica mais difícil
estabelecer um diálogo ético e flexível”, disse Comis.
Para Noto, saber as diferentes motivações que levam uma pessoa a
nunca usar drogas ou a experimentar e interromper o uso permite planejar
intervenções individualizadas e mais eficazes.
“Já que mesmo vivenciando complicações esses usuários não descartam
voltar a usar a droga, temos de usar todas as possibilidades de
intervenção. A prevenção é uma delas, informando as pessoas sobre os
riscos nos contextos em que usam a substância. A redução de riscos e
danos é outra, treinando pessoas que estão nas raves para lidar com
eventuais problemas que possam surgir”, disse Noto.
Novos contextos
Outro dado novo revelado pela pesquisa é que o uso de ecstasy não
está mais limitado ao cenário da música eletrônica na cidade de São
Paulo. “Pudemos perceber entre os voluntários que também é comum hoje o
uso em micaretas, rodeios, churrascos e até festas de casamento e
formaturas”, contou Comis.
De maneira geral, segundo dados recentes da Organização das Nações
Unidas (ONU), o consumo de drogas sintéticas aumentou em toda a América
Latina nos últimos anos. “Também cresceu a proporção de comprimidos
contaminados, elevando os riscos de efeitos adversos”, disse.
Em muitos casos as pílulas de ecstasy vêm misturadas com outros
estimulantes, entre eles vermífugos para uso animal. “Há comprimidos
misturados com ácido acetilsalicílico, a aspirina, que pode causar
reações graves em pessoas alérgicas”, alertou Comis.
Em 2010, um estudo realizado na Universidade de São Paulo (USP) com
12,7 mil universitários de todo o Brasil apontou que 7,5% dos
entrevistados já haviam consumido ecstasy pelo menos uma vez na vida,
sendo que 3,1% o fizeram nos últimos 12 meses e 1,9%, nos últimos 30
dias.