Entrevista do autor do livro "Almanaque das Drogas" , o jornalista Tarso Araújo à Letícia Gonzáles - Revista Marie Claire.
A síndrome alcoólica fetal é um problema do qual mal se ouve falar, mas que afeta milhares de mulheres. Ela compromete o desenvolvimento do bebê e, em casos mais graves, pode levar ao aborto. Estudos recentes sobre o problema mostram que, apesar de mais comum entre grávidas que bebem muito, a SAF (como é chamada) pode afetar também quem bebe moderadamente. E os danos são permanentes, já que ela prejudica a formação do feto. O dado coloca em xeque a recomendação de “uma tacinha não faz mal” e faz os especialistas – que ainda são poucos – recomendarem álcool zero na gravidez.
MC –
Quais são as drogas que os brasileiros menos conhecem?
Tarso
Araújo – Pensando em relevância, o álcool. Pouca gente sabe o que faz a
heroína, mas ninguém aqui usa essa droga. Agora o álcool está em cada esquina,
no intervalo da novela e na transmissão do jogo, na camisa da Seleção. E as
pessoas acham que ele causa cirrose e acidente de trânsito. Álcool mata,
principalmente, de câncer. E é uma das principais causas de doenças
psiquiátricas do Brasil, além de ser a maior causa de doença mental no mundo.
MC –
Síndrome alcoólica fetal é um risco só para as grávidas que sofrem de
alcoolismo?
TA - A
maioria dos casos de síndrome alcoólica fetal acontece quando as mães bebem
pesado, mais de três doses por dia ou mais de cinco doses de uma só vez, mas
estudos recentes mostram que síndrome aparece nos bebês de mulheres que bebem
tão pouco quanto meia dose de álcool por dia. Além disso, algumas mulheres e
seus fetos são mais vulneráveis ao efeito do álcool do que outras. Por isso, a
recomendação é que não existe dose segura para o consumo de álcool durante a
gravidez. Para os especialistas, o ideal é não beber nem uma gota. Esse foi o
consenso estabelecido em uma convenção internacional de 2002.
MC
– Conversou com médicos brasileiros que proíbem suas pacientes de beber na
gravidez?
TA
– Conversei com o José Braz de Lima, autor do único livro sobre alcoólica
fetal editado no Brasil, e ele lamentou o fato de essa síndrome ser tão pouco
conhecida entre os médicos. Afinal, a grade curricular obrigatória dos cursos
de saúde, incluindo o de medicina, não tem nenhuma disciplina que fale sobre
álcool e drogas.
MC – Por
que tantos médicos brasileiros dizem que “tudo bem” beber uma taça de vinho de
vez em quando durante a gravidez?
TA
– Além do desconhecimento, tem o fato de a classificação da síndrome
alcoólica fetal ser relativamente recente. A associação entre os sintomas e o
uso de álcool foi feita nos anos 60, mas só nos anos 80 e 90 que esse risco se
tornou mais conhecido entre os médicos. Acho que a gente também não pode
ignorar a questão cultural: o álcool é muito aceito socialmente, e mesmo os
médicos que conhecem os riscos não devem se sentir muito à vontade para proibir
o consumo. É uma pena, já que eles têm autoridade de sobra para isso.
MC – governo deveria fazer campanha
contra o hábito de beber uma dose de vez em quando durante a gravidez, na sua opinião?
TA – Com certeza. Deveríamos, para
começar, seguir o exemplo da França. Lá, o consumo de vinho é uma tradição
milenar, a bebida é um orgulho nacional. E mesmo assim eles tiveram a coragem
de enfrentar a indústria e obrigar todos os fabricantes a colocar um selo de
advertência sobre o perigo do álcool na gravidez em qualquer bebida alcoólica.
Apesar de o vinho ser uma fonte de receitas importante para o país. Mas não
acho que a gente deva ficar apenas colocando a culpa no governo. Cada um pode e
deve espalhar essa informação. É muito triste pensar que tantas crianças
nascem com deficiências tão graves por mera falta de informação, e que todo o
sofrimento que isso traz para mães e filhos poderia ser evitado.