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ESF POP RUA

sábado, 28 de julho de 2012

ENTREVISTA DA PSICÓLOGA CLAUDIA DE PAULA À Revista Brasileira Saúde da Família / Ministério da Saúde



Reprodução da entrevista da Psicóloga Claudia de Paula à Revista Brasileira Saúde da Família / Ministério da Saúde 

Formada em 1990 pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
Cláudia de Paula participou ativamente da efetivação da reforma psiquiá-trica brasileira – que cria serviços de saúde em substituição aos antigos manicômios – com seu ingresso, em 1992, na equipe de trabalho do primeiro Centro de Referência em Saúde Mental (CERSAM) – como são chamados os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) em Belo Horizonte.Mesmo sempre atuando na clínica ampliada, foi apenas na décadaseguinte que ela passou a atender crianças e adolescentes em situaçãode rua. Era o Programa Miguilim, também de Belo Horizonte, criado coma intenção de reformular a abordagem a esse público. Em seguida, vieram os atendimentos a mulheres que perderam a guarda dos filhos, profissionais do sexo, moradores de comunidades (favelas).
Até que, em 2010, a psicóloga vislumbrou a possibilidade de transformar seu maior sonho em realidade: conciliar seu três maiores amores – o trabalho com populações em situação de vulnerabilidade social, voltar a viver perto da família no Rio e tentar ver o mar, mesmo que de relance, todos os dias pela manhã.
No Rio, Cláudia, entre outras atividades, acompanha casos de transtornos mentais graves e uso abusivo de álcool e drogas e contribui na oficinade livre expressão da sala de espera da unidade, além de matriciar e ser matriciada nas discussões de caso e nas formações continuadas.
Fluminense por nascimento, flamenguista por coração, escritora (não se acha à altura do título, pois “apenas” escreve livros), leitora, nadadora,colecionadora. Cláudia de Paula, a psicóloga da equipe de Saúde da Família para populações em situação de rua da cidade do Rio de Janeiro,coleciona mais do que pequenos objetos, coleciona histórias de vida. A começar pela sua.
Hoje, a profissional atua em uma das equipes de Consultórios na Rua do município do Rio de Janeiro e aceitou falar de seu trabalho para a Revista Brasileira Saúde na Família (RBSF).
Cláudia de Paula



Por: Déborah Proença / Fotos: Acervo SMS RJ - ESF POP RUA
RBSF: Você volta para o Rio de Janeiro para atuar na equipe de Consultórios na Rua. Por quê?
Cláudia de Paula: É preciso esclarecer que nossa equipe tem uma formação especial, pois integra profissionais da equipe mínima da   da Estratégia Saúde da Família (ESF) e de saúde mental, em um processo realmente interdisciplinar.
Essa formação foi fruto da compreensão das Coordenações de Saúde da Família e de Saúde Mental do município do Rio perante as necessidades específicas desse público, que tem, historicamente, dificuldade de acesso às ações e serviços de saúde e cujos casos têm, em sua maioria, questões de saúde mental e física associadas.
A partir dessa organização particular, a equipe teve que aprendera trabalhar realmente integrada, o que foi, e ainda é, um desafio. Um desafio que, para mim, tem sido muito instigante e, hoje, acredito que conseguimos estabelecer processos de trabalho fundamentados que resguardam as particularidades, mas propiciam atuações conjuntas parceiras entre os membros da equipe.
RBSF: Por que essa equipe foi criada? Quantas existem atualmente?
Cláudia de Paula: Pela percepção de que havia uma demanda historicamente reprimida de atendimento a esse público. Ele possui especificidades vinculadas às condições em que vive que lhe dificultava a integração aos processos de acolhimento e atendimento da saúde. A rua do Rio de Janeiro agrega, além de cariocas, pessoas de diversas cidades, Estados e, até, países que buscam atender, no Rio, a um imaginário muito amplo de características. Temos duas equipes de Saúde da Família para população de Rua/Consultórios na Rua instaladas: uma em Manguinhos e outra no Centro. Há uma terceira em processo de instalação, na região do Jacarezinho.
RBSF: O que a levou à Estratégia Saúde da Família?
Cláudia de Paula: Sem dúvida, a iniciativa do município de constituir esse projeto. Porém tenho particular interesse pela diretriz da ESF em acompanhar os processos de vida das pessoas, atuando não só sobre a doença, mas no campo da saúde em termos mais amplos e, ao mesmo tempo, mais específicos e singulares, territorializados.
RBSF: Como funciona o trabalho diário, a gestão, as parcerias?
Cláudia de Paula: Nossa equipe trabalha das 9h às 22h como uma única equipe multidisciplinar, que distribui sua atuação entre a rua e a sede – localizada no Centro de Saúde Oswaldo Cruz. As ações contemplam  assistência e promoção de saúde integral, vinculando rua e sede por meio de processos de companhamento longitudinal, para promover o cuidado caso a caso e a construção de projetos singulares para cada um. O princípio de porta de entrada interdisciplinar,caracterizado por demandas não muito específicas, que acolhe o sofrimento nas dimensões corporal e mental associadas, tem permitido garantir o acesso a essa população.
A ação dos profissionais, notadamente os agentes comunitários de saúde (ACS), percorrendo os territórios de vida desses sujeitos, que são submetidos à constante remodelagem pela ação de diversos fatores, é também um ponto fundamental de nossa dinâmica de atuação. Contamos atualmente com uma rede funcionando para a saúde mental, para a tuberculose e para o HIV, que permite o acompanhamento desses casos em corresponsabilização. Atuamos em parceria com alguns abrigos de organizações não governamentais e com alguns serviços da rede de apoio da Secretaria de Assistência Social.
RBSF: Acredita que, depois de instituído o projeto, mudou alguma coisa?
Cláudia de Paula: Sim! Podemos perceber e acompanhar essas mu danças, esses “deslizamentos de
lugar” que são evidenciados por alterações nos comportamentos, nas posturas de responsabilização
e comprometimento diante das próprias histórias e dos tratamentos.
Por vezes, essas mudanças levam os sujeitos a desejar sair das ruas e constituir novas formas de vida.
Um exemplo é de uma usuária moradora de rua há 30 anos que fazia uso abusivo de álcool (sic) e  protagonizava escândalos pelas ruas, arrancando as roupas e expondo a nudez. Chegou ao nosso serviço por encaminhamento de outra equipe de Saúde da Família. Na época,o diagnóstico era de prolapso de útero nível quatro, sem tratamento. Nesses momentos mostrava, inclusive, seu útero.
Durante o atendimento interdisciplinar, foi possível ouvir da paciente que aquela situação já durava oito anos. Quando tentamos responder apenas à demanda por tratamento ao útero, que atravessava todas as intervenções, ela simplesmente repetiu o comportamento, o que inviabilizou as tentativas.
Apenas quando estabelecemos um corte, recuperando seu lugar de sujeito, de pessoa, para além do
útero, é que se tornaram possíveis o tratamento, a cirurgia e seus desdobramentos. Hoje, mesmo tendo descoberto outra doença grave e apresentando outro prolapso, agora vaginal, ela está comprometida com os tratamentos, diminuiu o uso de álcool e estabeleceu residência fixa ao conseguir um quarto em uma ocupação.
RBSF: Existe um blog do trabalho, certo?
Cláudia de Paula: Correto. O blog [www.smsdc-esfpoprua.blogspot.com] foi criado pela Secretaria Municipal de Saúde, que estimulou as unidades a montarem seus próprios blogs, fomentando a visibilidade e a comunicação das equipes. O nosso foi criado pela própria equipe com o apoio técnico da Rede de stações Observatório das Tecnologias de Informação e Comunicação em Sistemas e Serviços de Saúde (Rede OTICS-RIO) e, hoje em dia, é atualizado por um ACS. *Cléo Moraes
RBSF: De acordo com sua experiência, o que é preciso para melhorar a saúde das populações em situação de rua?
Cláudia de Paula: Uma ação integrada entre as Secretarias de Saúde, Assistência Social, Educação, Cultura, Esportes e Habitação. 





Raio X:
1-PARA SER BOM MEU TRABALHO PRECISA DE:
Escuta e integração com outros profissionais.
2- FUNDAMENTAL NESTA PROFISSÃO É:
Ética profissional.
3- UM PACIENTE/ATENDIMENTO/MOMENTO MARCANTE FOI:
 Quando a enfermeira de nossa equipe, hoje gerente, conseguiu escutar/perceber, dentro de uma queixa de otite, a possibilidade de ser uma alucinação auditiva e podermos, juntas, tratar esse paciente.
4-UM IDEAL: 
Viver sempre tendo prazer com o que faço.
5- UM LEMA: 
Olhar para a delicadeza e a poesia das coisas, em qualquer circunstância.
6-UM DESAFIO:
Continuar a viver intensamente...
7- PARA SER FELIZ:
 Conseguir ter paz com o cotidiano.
8-SE NÃO FOSSE PSICÓLOGA SERIA:
 Escritora.
9-UM ATENDIMENTO ESPECIAL NECESSITA: 
Não existe um atendimento especial. Todos eles são muito diferentes e muito especiais.
10- UM SONHO REALIZADO FOI: 
Voltar a morar no Rio de Janeiro.
11-TRÊS COISAS ESSENCIAIS: 
Amor, beleza e intimidade.
12- UMA INSPIRAÇÃO/MOTIVAÇÃO
A poesia em prosa de Clarice Lispector.
13-UMA ALEGRIA PROFISSIONAL
Trabalhar neste serviço.
14- UMA CHATEAÇÃO: 
Não conseguir mais ver o mar diariamente.
15-UM OBSTÁCULO:
São diversos, dia a dia.
16-DAQUI A DEZ ANOS ESTAREI:
 A dez anos do que fiz da minha vida até aqui.
17- O MELHOR DA PROFISSÃO É: 
 Poder ganhar dinheiro com o que amo fazer.
18-SAÚDE DA FAMÍLIA É:
 Acompanhar processos de vida.
19-FINALIZANDO, UM CONSELHO: 
Não sei dar conselhos, mas talvez uma indicação: vale a pena trabalhar na saúde pública.

Revista Brasileira Saúde da Família / Ministério da Saúde – Ano 12,n.31 
      (jan. / abr. 2012). – Brasília 31: Ministério da Saúde, 2012.
      Trimestral.